Os 10 anos da Política Nacional dos Resíduos Sólidos

Efeito da Política Nacional de Resíduos Sólidos ainda é modesto. Volume de resíduos com destinação adequada aumentou apenas de 56% para 59% em uma década


Por Lúcio Flávio de Freitas e Wanda Günther Publicado 12/09/2021 – 09h55

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A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), para além de introduzir novos conceitos nas políticas públicas, como “logística reversa”, “responsabilidade compartilhada” ou “acordos setoriais”, é uma conquista da sociedade brasileira. Foi aprovada depois de mais de 20 anos de discussões no Congresso Nacional, na lei 12.305, de 2010. Estipula responsabilidades, prevê a hierarquia no tratamento dos resíduos, estimula a criação mecanismos de financiamento, entre outras contribuições. Porém, sua implementação ainda está longe da ideal.

Foi preciso mais de uma década até a confecção de um plano nacional. A inexistência de metas e programas norteadores dificultava a implementação no âmbito municipal, em que se dá o gerenciamento dos resíduos. Apenas em 2020 o Ministério do Meio Ambiente abriu consulta pública para a finalização do Plano Nacional de Resíduos Sólidos (Planares). Além de um diagnóstico da situação atual dos resíduos sólidos urbanos no Brasil, o documento traz as metas a serem atingidas e os programas que serão desenvolvidos, como: Programa Nacional Lixão Zero, Programa de implementação e ampliação da Logística Reversa e Programa Nacional de Combate ao Lixo no Mar.


Este artigo teve como base nota técnica publicada na 18ª Carta de Conjuntura do Observatório de Políticas Públicas, Empreendedorismo e Conjuntura da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (Conjuscs)


Na PNRS, destaca-se como elemento de planejamento e gestão, em conformidade com as práticas internacionais, a confecção dos planos de gestão dos resíduos sólidos. Contudo, em 2017 apenas 55% dos municípios possuíam seus planos integrados de gestão dos resíduos sólidos, principalmente os mais populosos (PLANARES, 2020). Ocorre que, muitas vezes, os pequenos municípios não têm condições técnicas ou financeiras para a elaboração desses documentos. E ainda que o façam, a implantação, que requer infraestrutura, capacitação técnica e recursos, por vezes inexiste ou é insuficiente. Nestes casos, os planos cumprem mais a meta burocrática do que são efetivados.

A ausência de planejamento também se refere ao financiamento insuficiente. A PNRS não fixou fontes de recursos específicas no âmbito federal, o que denota falta de prioridade, e deixou a política dependente do orçamento geral da União. Em 2017, auditoria do Tribunal de Contas da União revelou que, no período de 2007 até 2014, embora tenha sido destinada uma autorização orçamentária na ordem de R$ 268 milhões anuais, a execução orçamentária não tem alcançado mais do que 5%, ou seja, R$ 6,9 milhões por ano em média (TCU, 2017, p. 24). A Confederação Nacional dos Municípios acrescenta a completa ausência de recursos federais desde 2016 investidos na gestão de resíduos, com execução somente aos restos a pagar de anos anteriores ao citado (CNM, 2021, p.4).


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Ainda sobre o financiamento, deve-se atentar para o novo marco regulatório do saneamento básico, instituído pela lei 14.026/2020, que fixou a obrigatoriedade da cobrança pelo serviço público de manejo dos resíduos sólidos urbanos. A cobrança pode ser realizada juntamente com o imposto predial e territorial urbano, como já é praticada por muitas prefeituras, ou outros critérios. Se a cobrança pode diminuir o risco de inadimplência do poder público junto às empresas de limpeza urbana, e pode, se bem utilizada, aumentar a responsabilização dos geradores, ainda não representa uma cobrança diferenciada conforme o tipo de resíduo e seu fluxo, da geração à destinação final. É preciso compartilhar, de modo efetivo, com os produtores de bens e serviços, a responsabilidade pelo custeio do manejo dos resíduos.

O efeito da política até aqui é modesto. Entre 2010 e 2019, o percentual de resíduos com destinação adequada aumentou apenas de 56% para 59%. Os lixões, que no prazo original deveriam encerrar suas atividades em 2014, aumentaram a quantidade recebida de resíduos em todas as regiões do país. O mesmo ocorreu com os aterros controlados, também uma destinação final inadequada.

A ordem de prioridades estabelecida pela PNRS (não geração, redução, reutilização, reciclagem, tratamento dos resíduos sólidos e disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos) continua distante. A maior parte dos resíduos (53%) é destinada aos aterros sanitários, última etapa da hierarquia. Outra parte importante (22%) é levada aos aterros controlados, que não constituem destinação ambientalmente adequada.

A PNRS também trata dos resíduos perigosos e obriga a criação de sistemas de logística reversa para as embalagens de agrotóxico, pilhas e baterias, óleos lubrificantes e suas embalagens, lâmpadas fluorescentes, de vapor de sódio e mercúrio e de luz mista, e os resíduos eletroeletrônicos. 


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Os sistemas de logística reversa carecem de regulação adequada e investimentos. Dos seis fluxos prioritários contidos na lei, houve avanços onde já havia sistemas anteriormente estabelecidos, caso dos pneumáticos e embalagens de agrotóxicos, contemplados em resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente, inclusive com a definição de metas e prazos. Em eletroeletrônicos, por exemplo, os avanços são modestos. Segundo Schluep et al (2009), o Brasil gerava mais de 98 mil toneladas/ano de resíduos de computadores.

Dados do Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos apontam que em 2019 foram coletadas 384,5 toneladas de resíduos eletroeletrônicos, e foram instalados 258 pontos de coleta. Outro acordo recente é aquele de  para as embalagens e sobras de medicamentos de uso domiciliar; que deverão ser recolhidos junto às farmácias. Embora a literatura a respeito ainda seja pequena, indica que a iniciativa ainda não alterou suficientemente o comportamento dos consumidores em favor do descarte adequado desses resíduos.

A PNRS reconhece e valoriza o trabalho do catador, base da recuperação dos materiais recicláveis e importante agente ambiental no cenário urbano. No Brasil, em 2010, existiam 398.348 pessoas ocupadas como “Coletores de lixo” – código de subgrupo 961 da CBO Domiciliar do IBGE. É fundamental a profissionalização da catação. As condições de trabalho, saúde e segurança devem ser melhoradas. E, principalmente, o catador deve ser remunerado pelas tarefas que desempenha, a coleta, a triagem, a revenda de materiais. E, portanto, pela contribuição que oferecem como prestadores de serviços ambientais urbanos. Do contrário, a catação continuará restrita aos materiais cujo preços sejam atraentes o suficiente, o que limita a reciclagem e a possibilidade de uma economia mais sustentável. 

Outro aspecto é a segregação na fonte geradora, para o que concorre a educação ambiental. Mas que pode ser potencializada com o uso de instrumentos econômicos.


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A ausência desses instrumentos, ou qualquer outro regime de incentivos contribui para os altos índices de rejeitos nas cooperativas e associações de catadores, dada a contaminação dos materiais recicláveis, tornando-os inviáveis para a comercialização. Na outra ponta, não são concedidos incentivos à indústria recicladora, de modo a tornar mais rentável o uso de matérias-primas recuperadas dos resíduos.

A gestão carece de efetiva integração de ações e políticas, a começar pela coordenação dos incentivos dos agentes econômicos. O princípio da gestão compartilhada, por deixar indefinidas as responsabilidades de cada agente, dificulta desde a separação na fonte geradora à logística reversa. Em particular, o acordo setorial para as embalagens, fundamental para os resíduos sólidos urbanos, celebrado em 2015, não produziu efeitos significativos nos índices oficiais de reciclagem. Segundo Demajorovic e Massote (2017, p. 480), a implementação do acordo [setorial] possibilita que fabricantes e usuários de embalagem sejam free-riders [caronas] de estruturas já financiadas pelas autoridades municipais, sem uma contrapartida a esse investimento já realizado.

Finalmente, faltam dados para uma gestão adequada dos resíduos. O Tribunal de Contas da União constatou essa ausência e recomendou a implementação de um sistema de informações. Pois, sem isso, o monitoramento e o controle da política ficam limitados (TCU, 2017). O Sistema Nacional de Informações Sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos (SINIR), plataforma do governo federal, está em fase de consolidação.


Flavio da Silva Freitas é professor de Economia da Universidade Municipal de São Caetano do Sul. Pesquisador de pós-doutorado do Programa Cidades Globais, do Instituto de Estudos Avançados da USP.

Wanda M. Risso Günther é professora titular do Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública da USP. Vice-presidente da Comissão de Pós-Graduação e Coordenadora do Programa USP Recicla-FSP/USP.

Texto orginalmente publicado:

Os 10 anos da Política Nacional dos Resíduos Sólidos – Rede Brasil Atual. Rede Brasil Atual. Disponível em: <https://www.redebrasilatual.com.br/blogs/blog-na-rede/2021/09/os-10-anos-da-politica-nacional-dos-residuos-solidos/>. Acesso em: 30 Sep. 2021.