MOÇÃO PÚBLICA DE REPÚDIO AO PROJETO DE LEI 6.299/2002, SEUS APENSOS E SUBSTITUTIVO.

Tramita na Câmara dos Deputados Federais o Projeto de Lei N° 6.299/2002, que propõe mudanças profundas na Lei dos Agrotóxicos, N° 7.802, de 11 de julho de 1989. Entendemos que o Projeto de Lei No 6.299/2002 desconfigura a legislação vigente, colocando em extrema vulnerabilidade os trabalhadores agrícolas, os cidadãos que consomem água, para diversos fins, e alimentos, a fauna e flora de ecossistemas aquáticos e terrestres em todo território nacional.
A Lei dos Agrotóxicos surgiu após ampla discussão técnico-científica e intensas manifestações por parte de ambientalistas num período histórico marcado pela redemocratização brasileira. Ainda hoje a Lei dos Agrotóxicos é considerada um marco histórico, pois é considerada atual e protetora da saúde humana e ambiental quando comparada a legislações de diferentes países. Dentre as modificações propostas que colocam em risco a saúde humana e ambiental, destacam-se:
• Flexibilização dos casos de proibição dos registros
A Lei dos Agrotóxicos em vigor (N° 7.802/1989) proíbe o registro de agrotóxicos com propriedades teratogênicas, carcinogênicas, mutagênicas; que provoquem distúrbios hormonais; danos ao aparelho reprodutor; e danos ao meio ambiente. Já o PL 6.299/2002 permite a continuidade da utilização de compostos com as características supracitadas, proibindo o registro somente quando este revelar um risco inaceitável. Contudo, não é estabelecido no texto a definição do que é risco aceitável, nem para a saúde humana, nem para o meio ambiente, devendo sempre nesses casos prevalecer a incidência dos princípios ambientais da precaução, prevenção e também da vedação de retrocessos na legislação ambiental. Ou seja, na conjugação dos três referidos princípios orientadores das legislações e políticas públicas ambientais, não se pode conceber uma nova legislação que apresente maiores riscos de impactos socioambientais e retrocessos em conquistas já institucionalizadas quanto à proteção com relação aos efeitos dos agrotóxicos.
• Perda de autonomia dos estados para a definição de critérios rígidos em contextos locais justificados
O PL 6.299/2002 modifica a lei atual definindo que os Estados e o Distrito Federal poderão estabelecer leis apenas de forma suplementar à União. Desse modo, não há garantia da competência dos Estados e Distrito Federal de legislar, em contextos regionais específicos e devidamente justificados, sobre o uso, a produção, o consumo, o comércio e o armazenamento dos agrotóxicos, seus componentes e afins, bem como fiscalizar o uso, o consumo, o comércio, o armazenamento e o transporte interno. Entendemos que a proteção ambiental será comprometida uma vez que o direito constitucional dos Estados e o Distrito Federal em editar leis mais restritivas é ferido (Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, Capítulo II, Art. 24) – o que contraria também o entendimento jurisprudencial atual do Supremo Tribunal Federal (STF) no sentido que em matéria ambiental, desde que as normas gerais federais não sejam contrariadas, os Estados e Municípios podem legislar de forma mais restritiva.
• Cerceamento do poder de decisão dos Ministérios da Saúde e do Meio Ambiente
De acordo com a legislação vigente, a avaliação, registro e reavaliação de agrotóxicos são atribuição dos: Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA), Ministério da Saúde (MS) e Ministério do Meio Ambiente (MMA) (Decreto N° 4.074, de 4 de janeiro de 2002 – regulamenta a Lei N° 7.802/1989). São garantidas autonomia e paridade entre os três ministérios, todos com poder de veto para o registro de um novo agrotóxico. Ademais, é preconizado que a proteção à saúde e ao meio ambiente sempre devem prevalecer na tomada de decisão. O PL 6.299/2002 altera o texto da lei concentrando poder de decisão no MAPA, mais especificamente na CTNFito (Comissão Técnica Nacional de Fitossanitários), excluindo diversas atribuições específicas do Ministério da Saúde e MMA essenciais para a garantia de uma avaliação imparcial de perigo e risco dos agrotóxicos centrada no bem estar humano e ambiental.
• Substituição do termo agrotóxicos por defensivos fitossanitários (de uso agrícola) e agentes de controle ambiental (uso não agrícola)
A toxicidade é uma característica intrínseca de princípios ativos e formulações utilizadas para o combate de pragas. Assim, em qualquer processo de avaliação de risco deve-se assumir como hipótese inicial que os agrotóxicos podem causar efeitos deletérios à saúde e ao meio ambiente. Esses efeitos variam com o princípio ativo, a dose/concentração, a forma de exposição e as características individuais da pessoa/compartimento ambiental exposto. Uma avaliação rigorosa é fundamental para determinar as doses/concentrações seguras de exposição para seres humanos, fauna e flora. A mudança da nomenclatura para “produto defensivo fitossanitário” minimiza, ou mesmo anula, a percepção da toxicidade, propriedade intrínseca das substâncias químicas e do potencial risco que essas substâncias representam à saúde humana e ao meio ambiente, transmitindo uma ideia de que são inofensivos. O termo agrotóxico é utilizado na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, capítulo V, Art. 220, §4°. Além disso em várias outras regulamentações brasileiras (água, alimentos e outras) empregam o termo agrotóxicos, em consonância com a lei de agrotóxicos. Essa mudança de nomenclatura traria muitos transtornos e necessidade de alterações de inúmeras regulamentações.
Reconhecemos que o processo de avaliação de agrotóxicos para registro no Brasil tem ainda diversas limitações, como a falta de capacitação técnica continuada, a contratação de especialistas em avaliação de risco, a definição e testes necessários para o enquadramento de substâncias como desreguladores endócrinos e mutagênicas por exemplo. Também faltam avanços na integração dos órgãos envolvidos contudo essas tarefas podem e devem ser realizadas para o aprimoramento da aplicação da lei atual, sem prejuízo do seu conteúdo.
Desta forma consideramos que o Projeto de Lei N° 6.299 não traz nenhuma contribuição para a melhoria da legislação atual. Ao contrário, o projeto é um desmonte dos instrumentos legais que garantem o uso minimamente seguro de agrotóxicos no Brasil, o maior consumidor mundial de agrotóxicos. Caso o projeto de lei seja aprovado, o país passará a ter uma legislação frágil, ineficaz e insuficiente, acarretando consequências negativas à saúde humana e ambiental em curto, médio e longo prazo. Dentre os efeitos negativos esperados está o aumento dos resíduos de agrotóxicos em produtos agrícolas para o consumo interno e como para exportação. No último caso danos econômicos graves podem ser desencadeados uma vez que os mercados exportadores têm regras rígidas de controle e monitoramento de resíduos de agrotóxicos. O PL 6.299/2002 fere a própria Constituição Federal, que estabelece o Estado como garantidor da redução do risco de doença (Seção II, DA SAÚDE, Art. 196) e agravos ambientais (Capítulo VI, DO MEIO AMBIENTE, Art. 225) mediante políticas sociais e econômicas.
Desta forma, nos manifestamos contrários à aprovação do Substitutivo ao Projeto de Lei 6.299/2002, e seus apensados.

Referências:
Almeida, MD et al. (2017). A flexibilização da legislação brasileira de agrotóxicos e os riscos à saúde humana: análise do Projeto de Lei nº 3.200/2015. Cadernos de Saúde Pública, 33(7), e00181016. Epub July 27, 2017.https://dx.doi.org/10.1590/0102-311×00181016
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988, 292 p.